Eu sempre entro no site de vocês e fico lendo as coisas, não canso de ler ... E hoje resolvi mandar minha história.
Sou da Bahia, tenho 63 anos e todo mundo me chama de Landa, quando tinha 12 anos meus pais me mandaram para o Rio de Janeiro para ser emprega doméstica na casa de uma mulher que era amiga da patroa do meu pai.
Eu não queria ir, amava muito minha casa, minha mãezinha, as vezes ainda sinto o cheiro da minha mãe que era uma mistura de perfume com doce, e também sinto muita saudade da comida dela, era a mais simples e mais gostosa do mundo. Na minha casa não tinha brigas, nem nada de ruim, então eu pedi para minha mãe não me deixar ir, mas ela não me atendeu, ela disse que meu o pai já tinha resolvido, que eu tinha que agradecer muito porque tinha sido escolhida, fui embora com muita tristeza no coração e muita mágoa também, não entendia como eles podiam me mandar embora, e pior não vi ninguém chorar quando sai.
Nunca me trataram com maldade na casa, mas também não era da família.
Levantava cedo, fazia minhas obrigações e nunca tive problema nenhum, recebia parte do meu pagamento todo mês direitinho e a outra parte era mandado para meu pai, por muitas vezes tinha a impressão que eu nem era vista na casa.
Fiquei nesta casa até fazer 20 anos, sai de lá para casar. Casei com o homem que entregava as compras, quando contei ao casal que iria me casar e ir embora eles ficaram muito bravos, falaram que eu era ingrata, onde já se viu depois de tudo que tinham me dado eu ir embora, falavam que eu estava pensando que casamento era brincadeirinha... Eu chorei muito, fiquei muito triste, e acabei indo embora antes de me casar.
Casei e estava muito feliz, meu marido tinha uma casinha no fundo da casa dos pais dele, ele saia para trabalhar e eu cuidava da casa. Até que um dia meu marido me convidou a ir em uma escola para saber o que precisava para eu voltar estudar. Confesso que nem pensava nisto, estava feliz, pensava em ter filhos, a família do meu marido era muito grande, feliz e todo mundo se juntava para comer, tocar e dançar samba, era muito bom. Mas meu marido insistiu muito e acabei indo, eu só tinha estudado até a 3ª série, então me mandaram para uma turma que todos tinham o mesmo nível de conhecimento que eu, e foi ótimo, conheci muita gente, descobri que dos 12 aos 20 anos eu não tinha vivido, eu nem sabia que a vida podia ser tão boa, que eu podia ser tão feliz, meu marido estudava comigo, a família dele comemorava cada vez que passava de ano, e fiz até o colegial. Meu marido resolveu fazer um curso de eletricista e me convidou para fazer algum curso também, passamos a ir à escola juntos toda noite, lá tinha vários cursos e achei um que me encantou, de recepcionista. Começamos e terminamos o curso juntos, acabei conseguindo emprego na mesma escola que estudei, meu marido continuou a trabalhar no mercado e fazia bicos de eletricista, até que um dia entrou em uma multinacional e lá se aposentou.
Compramos uma casa, um carro e nunca tivemos filhos, sei lá.. a vontade de ser mãe passou e meu marido sempre respeitou minha vontade. Quando estava com 35 anos fui com meu marido na Bahia, tinha magoa dos meus pais, porque nunca me procuraram, nunca escreveram e nunca me ligaram, mas também tinha saudade, e só quando cheguei lá foi que percebi como aquela casa era pequena, muito longe de tudo, tinha eletricidade, mas estava cortada a dias por problemas nos fios, eles não tinham geladeira e a televisão não pegava direito.
Eu chamei meus pais para virem embora para minha casa, minha mãe demonstrava que queria, mas meu pai não quis de jeito nenhum. Ele estava bravo comigo, falava que sai do emprego e nem pensei que eles ficaram sem receber todo aquele tempo a parte dele do meu salário.
Ficamos ali durante aquele dia, combinei com o dono da venda que ligaria uma vez por semana para saber deles, por várias vezes combinava com ele para avisar a minha mãe que eu ligaria no dia e hora tal para ela ir até a venda para conversarmos, mas ela nunca foi.
Oito anos depois o dono da venda me ligou para avisar que meu pai tinha falecido, fomos imediatamente, mas quando cheguei meu pai já estava enterrado.
Minha mãe estava sentada dentro da casa sozinha, não estava chorando, mas tinha o olhar mais triste que eu vi em toda minha vida. Chamei ela para vir morar comigo e ela disse não, porque meu pai ia ficar bravo, na hora achei que tinha entendido errado, afinal ele tinha morrido, como podia ficar bravo. Abracei minha mãe e falei que ela devia vir que não devia ficar ali sozinha e depois de insistir muito ela aceitou. Para minha surpresa toda roupa que ela tinha coube em uma sacola de mercado, combinamos com o dono da venda para vender tudo que fosse possível e depositar o dinheiro na minha conta, pois minha mãe não tinha.
Durante toda a viagem minha mãe não falava nada, só respondia quando perguntávamos alguma coisa, quando chegamos em casa, estávamos todos muito cansados e fomos todos dormir, e para minha surpresa quando acordei minha mãe tinha limpado toda casa e lavado todas as roupas.
Então falei para ela que não precisava fazer tudo aquilo que em casa nós dividíamos as tarefas. Ela imediatamente abaixou a cabeça e pediu desculpa, eu estranhei... tinha medo nela sabe!? Abracei-a e ela se encolheu toda, percebi que sentiu dor, sentei com ela e disse para ela que a amava muito que queria cuidar dela, para ela falar comigo e então ela começou a chorar e me contou de cabeça baixa e voz muito baixa que nunca quis me mandar embora, que sentia muita saudade, mas que não podia desobedecer meu pai, porque ele ficava bravo e batia nela, contou que não sabia ler e escrever, que não tinha para onde ir então tinha que obedecer. Falou que meu pai desligava a luz para ela ficar de castigo e que ele bebia muito e ela tinha que fazer tudo que ele mandava, e que ela estava com medo, porque mesmo sabendo que ele tinha morrido tinha a impressão que ele ia entrar e bater nela, porque ela saiu da casa.
Levamos minha mãe ao médico, e descobrimos que a dor do abraço eram duas costelas quebradas, o médico percebeu ainda um dedo da mão que foi quebrado e como não foi tratado, colou torto e não dobrava mais. O médico encaminhou minha mãe para fazer tratamento psicológico e ela foi melhorando, mas nunca a vi dar um gargalhada, ela sorria muito discretamente, ela é bondosa, carinhosa, mas imensamente triste.
Agradeço muito a Deus por ter tido a oportunidade de tirar minha mãe de lá, e poder ter dado o melhor para ela até seu último dia de vida, mas confesso que tenho muita tristeza de pensar que minha mãe foi espancada durante anos, e meu pai precisou morrer para ela se livrar da violência.
Meu recado para as mulheres é que existem homens bons sim, que toda mulher precisa ser tratada com respeito e amor e se um homem levantar um dedo para você denuncie, o que dá poder para o homem ruim é a mulher não denunciar.
Obrigada por compartilhar sua história!!! Sinta-se abraçada!!! Tenho certeza que fez o seu melhor por sua mãe!!! Espero que todas as mulheres percebam o agressor antes mesmo do primeiro empurrão, e tenha coragem de sair !